sábado, 29 de novembro de 2008

Porquinho Alegre

De volta de Curitiba, ao olhar a "capital dos gaúchos" (esse título devia ser de Bagé, né?) fico, pelo contraste, com a estupenda pergunta: o que há de errado com o Porco Alegre? Por que fica ele sempre afundando às margens do Guaíba, com a mesma cabecinha de torresmo entre as orelhas enlameadas? Por que não dá pra existir um espaço público sem bandidagem e pirataria, um monumento que não seja depredado, uma construção bonita que não seja pichada, uma praça que não tenha as lâmpadas quebradas? Será que é porque vivemos numa cidade ostensivamente "malandra", com essa magrinhagem infernal de não dar bola para nada que não dê lucro imediato? Sei lá. Não sou psico-sociólogo. Mas certamente há algo de errado na cabeça do Porquinho Alegre.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Elenco ruim

Gosto de jogar um joguinho assim: penso num filme a ser lançado em breve e tento escolher a pior escalação possível para o elenco. Por exemplo, o Che Guevara do Sordenbergh.

Che – Woody Allen. Ele ficaria ótimo de boina e com roupas de guerrilheiro maiores que o seu número, falando sem parar sobre existencialismo na Sierra Madre, traçando as filhas adotivas dos guajiros, importando um psicanalista maoísta para falar de seus sonhos com a mãe de Marx etc.

Fidel – O anão do Senhor dos Anéis. Em tamanho natural de nanismo, barbudo, arrotando e fumando charutos. Em vez do machado, uma foice-e-martelo.

Regis Debray – Steve Buscemi, enlouquecendo a garotada estudantil francesa.

Se bem que, confesso, eu já havia escalado o Woody Allen para o papel de Batman, alguns anos atrás.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Estou lendo...





Maravilhosa aquisição:

"Fronteira Rebelde - a vida e o tempo dos últimos caudilhos gaúchos", de John Chasteen.
http://www.amazon.com/Heroes-Horseback-Gaucho-Caudillos-Dialogos/dp/0826315984


A história de Aparicio e Gumercindo Saraiva, para quem ainda duvida de que Che Guevara era um bunda mole.

domingo, 16 de novembro de 2008

RESENHAS BÁRBARAS, 2 - "Niña de mierda!"



Medéia, de Delacroix




Assisti “Vicky Christina Barcelona”, do Woody Allen. Ele é a prova de que, ao contrário do que diz minha namorada, eu não gosto apenas de filmes com feudos de sangue, katanás ou demonologia. O Woody Allen é o autor mais civilizado do cinema. Seus filmes e temas não retém nada de selvagem, nada de rústico, nada que não seja altamente instruído, ponderado e sofisticadamente cético, nada que não tenha passado por dois milênios de urbanidade e no mínimo duas décadas de psicanálise (ainda que as neuroses permaneçam). Nesse filme, Rebecca Hall e Scarlett Johanson interpretam, em momentos distintos, o próprio Woody Allen, com sua tagarelice nova-iorquina e desarranjos analíticos (assim como fez o Kenneth Brannagh em “Celebridades”). Mas a personagem mais interessante é a da Penélope Cruz, que se sacode, blasfema e berra “niña de mierda!” com a maluquice trágica de uma Medéia moderna. É uma dessas personagens que são mencionadas regularmente ao longo do primeiro ato, mas só aparecem no segundo, já entrando em cena, portanto, com uma aura legendária. É essa personagem que me faz pensar no excesso de civilização dos filmes do Woody Allen, um excesso que é exatamente sua virtude, mas que é também uma espécie de brecha por onde gostamos que a Penélope Cruz entre gritando e desacorçoando, para estropiar o universo. Foi nela que o Rei Lear pensava quando disse: “I will do such things – I do not know what – but they shall be the terror of the earth”. Majestosa.

sábado, 15 de novembro de 2008

Ainda sobre títulos

Continuemos.

"Rio Bravo" - "Onde começa o inferno". A cidadezinha que aparece no filme está na fronteira com o México. Devo supor, a partir disso, que Pancho Villa é Lúcifer?

"Gunfight at the OK Corral" - "Sem lei e sem alma". Sem lei? Mas o protagonista é o xerife! Sem alma? Desde quando o Wyatt Earp é um zumbi?

"They died with their boots on" - "O intrépido General Custer". Nenhum título deveria conter a palavra "intrépido". Jamais.

"Jeremiah Johnson" - "Mais forte que a vingança". O que, exatamente, é mais forte que a vingança, de acordo com o tradutor desse título? O amor? A piedade? O Papa? Bem, a história é sobre um sujeito que tem seus entes queridos chacinados e passa o resto do filme se vingando. Talvez o Papa pudesse dissuadi-lo. Pena que não aparece nenhuma diligência vinda do Vaticano.

"McCabe and Mrs. Winters" - "Quando os homens são homens". Este é um faroeste revisionista e iconoclasta de Robert Altman, o que torna o título machinho ainda mais hilário. O que devemos supor? Que quando os homens são homens, eles morrem, são enterrados na neve e suas amantes fumam ópio? Existencialíssimo.

"The big country" - "Da terra nascem os homens". Sério? Nascem mesmo? Tipo, os caubóis brotam que nem espigas de milho? E quem faz a colheita, as mulheres? Ou os mexicanos?

***

Claro, como foi observado, o faroeste não é o único gênero atormentado pelos títulos em português. Tampouco são os títulos em português os únicos culpados perante o tribunal do Altíssimo. Existe o célebre caso dos títulos de filmes em mandarim. Saiu a respeito uma reportagem na revista Speak Up, que tenho aqui em casa, para quem duvidar de minha palavra. Alguns exemplos de como títulos holywoodianos foram traduzidos na China:

Babe, o porquinho trapalhão - O futuro presuntinho que falava e resolvia problema agrícolas.
Traídos pelo desejo - Oh meu deus! Minha namorada tem um pênis!
Batman e Robin - Venha para minha caverna e coloque esse tapa-sexo de veludo, garoto gostosão.
Barbarella - Seios rotundos maiores que sua cabeça podem matá-lo.


PS. Devo, agora, me retratar. Eu não deveria ter colocado os títulos em mandarim no mesmo patamar que os outros. As traduções dos títulos de western são péssimas, enquanto essas jóias chinesas são, no mínimo, geniais. Os títulos em português são às vezes ilógicos, arbitrários e sem sentido (no mau sentido). Já as versões mandarins muitas vezes são melhores que os filmes. Como resumir melhor o conteúdo de "Batman e Robin" do que por meio da excelente e imperativa exclamação vertida pelo tradutor chinês? E só uma civilização multimilenar poderia gerar uma micro-resenha-título tão enfaticamente bela e sintética quanto "seios rotundos maiores que sua cabeça podem matá-lo".

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Três velhos rabugentos em conflito no trem galante das três e meia

Poucos gêneros sofreram tanto nas mãos de maus tradutores quanto o faroeste. Por algum motivo numinoso, faroestes em português têm de ter títulos com expressões hiperbólicas, de preferência incluindo termos como “vingança”, “força”, “inferno”, “paixão”. O mais divertido é que muitos dos títulos em português simplesmente não fazem sentido em relação ao conteúdo dos filmes. Se não, vejamos.

High Noon – Matar ou morrer. O título em inglês resume perfeitamente a trama: os bandidos chegarão à cidade ao meio-dia em ponto, que é mais ou menos o significado de High Noon. Já Matar ou Morrer poderia ser o nome de absolutamente qualquer faroeste feito desde o E.S. Porter até hoje. Por que não “Ficar ou correr”? Ruim por ruim, a minha versão tem uma certa lógica. Bem, mas também não estamos tão mal, porque corre a lenda de que em Portugal o filme se chama “O comboio apitou três vezes”.

The wild bunch – Meu ódio será tua herança. Em bom gauchês, o filme se chamaria “O bando de lôco”, o que pode ser tosco, mas pelo menos faz sentido. O tal ódio vai ser herança de quem, e para quem? Aliás, como assim, herança, se todos os lôcos do bando morrem no final? Que eu me lembre, sobra só o personagem do Sterling Hayden – o único que parece não odiar ninguém – e um cachorro. O ódio é a herança do cachorro? Esotérico.

The good, the bad and the ugly – Três homens em conflito. Essa, por Júpiter, é imperdoável. Por que não aceitar o lindo título “O bom, o mau e o feio”, um dos melhores na história do western? “Três homens em conflito” parece um triângulo amoroso na Grécia antiga, entre dois espartanos e um ateniense, ou algo que o valha. Ou, em última instância, me lembra terrivelmente de “Três velhos rabugentos”.

3:10 to Yuma – “Galante e sanguinário” (nome do original de 1940) ou “Os indomáveis” (nome do remake de 2006). Como assim??? Ok, “O trem das três e dez indo para Yuma” seria impraticável, mas a bisonhice hipotética não justifica a bisonhice factual. Em primeiro lugar, o protagonista não é sanguinário. O bandido até que é sanguinário, mas enfim, de quem o título está falando? E “galante”? Como assim, ele galanteia alguém? Ou eles galanteiam um ao outro? E quem são os indomáveis? Isso por acaso é um documentário sobre potros xucros de Dom Pedrito, ou o que?

My darling Clementine – Paixão dos fortes. Ok, ok. “Minha querida Clementnia” soa estranhíssimo, até porque nos lembra daquele desenho do Xou da Xuxa em que um jumento saía cantando a musiquinha título. Mas... Paixão? Dos fortes? O que é isso? Uma versão de “As pontes de Maddison” estrelada por um elenco de alterofilistas?

Continua, infelizmente continua...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Resenhas bárbaras, 1 - "I reckon that"



Resolvi começar hoje a noite a colocar umas resenhas aqui. Acontece que às vezes vejo um filme, e tenho várias coisas para comentar, e nem sempre minha noiva está por perto para ouvir (agora por exemplo ela está dormindo). Então sobrou para vocês. Vou começar com resenhas de faroeste, e em breve prepararei um artigo explicando ou tentando explicar porque diabos esse gênero me obceca. O filme de hoje é -

Josey Wales, o Fora da Lei (The outlaw Josey Wales, 1976)
Direção - Clint Eastwood
Com Clint Eastwood, Chief Dan George, Sandra Locke, John Vernon et alii.


Ele tem uma cicatriz que vai do olho até o queixo. Cospe de lado quando discorda de alguém. Grunhe sempre a mesma frase – “I reckon that” – quando concorda. Por onde passa, ele deixa um rastro de gente morta, e mesmo assim é o personagem mais querido e simpático de Clint Eastwood. Ele é o renegado Josey Wales.

Outro faroeste “revisionista”, este filme (um dos melhores dirigidos por Eastwood) se distingue de outros títulos da época pelas boas intenções – as quais não estragam a narrativa com sentimentalismos xaropes, ao contrário do que acontece em muitos espécimes holywoodianos atuais. Num período em que os melhores westerns haviam se tornados cínicos e corrosivos, Josey Wales trata de passar uma mensagem algo ingênua, mas inegavelmente sedutora, sobre a possibilidade de convivência entre culturas e raças. “Governos não convivem. Quem convivem são as pessoas”, diz o personagem-título a um vizinho comanche, e não podemos deixar de concordar.

O querido Clint interpreta um rancheiro que vê a família ser chacinada por tropas da União, une-se aos Confederados e, ao fim da guerra, é um dos poucos guerrilheiros sulistas que se recusam a jurar lealdade aos Estados Unidos da América. A iconoclastia do filme está no retrato negativo que traça do exército estadunidense e do lado vencedor da Guerra Civil, o Norte dos novos-ricos, geralmente glamourizado por Holywood. Embora seja uma espécie de antípoda aos épicos jingoístas sobre a cavalaria estadunidense da década de 40, o filme tem um certo tom de nobreza silenciosa, um senso de certo e errado que lembra as obras daquela época menos cética. (o que não é necessariamente, embora às vezes possa ser, um elogio) . O personagem principal mistura o estoicismo rabugento de John Wayne ao charme sombrio do “Homem Sem Nome”, que o próprio Clint interpretou nos filmes de Sergio Leone. Além disso tudo, essa pequena obra-prima tem um dos melhores personagens indígenas de Holywood, um velho cacique cherokee que passa o filme se arrependendo por ter-se deixado “civilizar” pelo homem-branco-anglo-saxão. Uma história envolvente e, para quem ainda tem coração a essas alturas do campeonato, emocionante.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O vôo do Urubu Antigo


Depois de muito penar no mundo real, decidi me assentar por aqui, onde posso, pelo menos, falar sozinho sem atrair olhares assustados dos pedestres.

Vamos falar de filmes, livros e besteiras, que é o que realmente importa na vida. Apenas coagido pelas circusntâncias falarei de política. Infelizmente, as circunstâncias me coagem nesse momento, de modo que, antes de iniciar minha série de Resenhas Bárbaras ou o habitual acepipe de nonsesense, devo divulgar-lhes meu manifesto anti-eufórico em relação aos atuais eventos ocorridos lá acima do equador.

Pessoas em geral vêm comemorando a chegada de um não-branco à Casa Branca, e a saída dos Republicanos que, teoricamente, seriam responsáveis por todas as agruras do universo. Teoricamente também, o presidente Hussein será uma espécie de messias secular, enviado para salvar a parcela liberal-progressista-agnóstica-bem-intencionada-levemente-à-esquerda da humanidade das trevas que a circundam. Enquanto eu concordo com o primeiro motivo de celebrações - um negro na Casa Branca - peço vênia para discordar de todo o resto. Como se sabe, os Democratas, na minha opinião, são piores que os Republicanos. Porque os Republicanos, ora, todos sabem o que eles querem, e é a mesma coisa que o Pink e o Cérebro vão tentar amanhã - dominar o mundo, ou pelo menos as partes do mundo onde tem óleo e floresta ou as que fazem fronteira com a Rússia. Já os Democratas passam por bonzinhos, e o resultado assustador é que todo mundo gosta deles. Voltando à metáfora cartoonica, é como se o Pink e o Cérebro se sucedessem na cápsula de comando de um robô Mecca cuja única finalidade é devorar o universo. A gente pode até achar o Pink mais simpático, mas o resultado, em última instância, é o mesmo. Um dos efeitos colaterais - para usar um termo querido pelo Pentágono e seus amigotes - dessa euforia pró-obâmica é que, nos próximos 4 ou 8 anos, muitas gentes partirão do princípio de que estamos no melhor dos mundos possíveis, ou, pelo menos, na melhor das hegemonias possíveis.



Deixai toda esperança, vós que entrais, ou vós que ficais aqui no verão porto-alegrense comemorando as eleições de nossos congêneres setentrionais: a política externa dos EUA, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, é a mesma, com suaves oscilações em Kennedy e Jimmy Carter - mas a mesma, em essência, e não vai mudar até que o impossível aconteça e se eleja um candidato independente, dentre os quais o que mais presta é o Ralph Nader (http://en.wikipedia.org/wiki/Ralph_Nader).

A única coisa boa nessa história toda é que agora o Hugo Chávez vai ficar meio sem assunto, e talvez siga o conselho do monarca espanhol e cale a boca. Parece que ele anda brabo, e, depois de expulsar a Human Rights Watch de seu feudo, agora quer mandar prender todo mundo que votar contra ele, ou algo assim (http://www.estadao.com.br/internacional/not_int274914,0.htm). Como eu sempre digo, é facílimo o Chavitos prender opositores e "contra-revolucionários"; difícil mesmo é seguir sua própria cartilha e parar de vender petróleo aos EUA.

Só o anarquismo nos salva. E a vodca.